Sexualidade e deficiência mental
Silvia Nara Siqueira Pinheiro1
Resumo
A reunião de dados referentes à sexualidade das pessoas portadoras de deficiência mental tem sido largamente ignorada na realidade brasileira.
Este artigo tem como propósito realizar uma revisão das pesquisas publicadas sobre os temas acima referidos desde o ano de 1971 até o presente
momento. Procura, também, verificar a existência de instrumentos fidedignos e validados para avaliar a sexualidade nesta clientela. Nesta análise
constatou-se: a presença de um pequeno número de pesquisas relacionando os temas; a falta de instrumentos brasileiros para investigar a área; a
existência, na realidade estrangeira, da Escala para pessoas portadoras de deficiência mental: Sexualidade: Conhecimento, Experiência e Necessidades
(SEX KEN ID). Nas pesquisas percebe-se que os portadores possuem pouco conhecimento e experiência sexual; tanto pais como profissionais não
lhes fornecem a educação sexual. Conclui-se que se faz necessário adaptar instrumentos visando conhecer a realidade e deste ponto desenvolver
programas de educação sexual.
Palavras-chave: Sexualidade; Deficiência mental; Pesquisas.
SEXUALITY AND MENTAL RETARDATION: REVIEWING RESEARCH
Sexuality and mental retardation
Abstract
Gathering data regarding the sexuality of people who have mental retardation has been an area largely ignored in the Brazilian reality. This
article aims to review published research about this theme from 1971 to this day. It also aims to verify the existence of accurate and valid
instruments to judge the sexuality of this group. In this analysis it was found: the presence of a small number of articles in this theme; the lack of
instruments to investigate the area; and the existence, in the foreign reality, of the Scale to People With Intellectual Disability: Sexuality,
Knowledge, Experience and Needs (SEX KEN ID). In the research analyzed we concluded: the people who have mental retardation have few
knowledge and sexual experience; neither parents or professionals provide them sexual education. We further concluded that it is necessary to adapt
instruments that aim to explore the reality and from there develop sexual education programs.
Keywords: Sexuality; Mental retardation; Research.
INTRODUÇÃO
Em 1994, em Salamanca na Espanha, apoiado
pela UNESCO, foi aprovado pela Conferência
Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais o
direito de toda criança à Educação. No seu item terceiro,
a Declaração de Salamanca (1997) afirma que
as escolas devem acolher todas as crianças,
independente de suas condições físicas, sociais,
intelectuais e que, desta forma, além de se garantir a
educação, está se assegurando a construção de uma
mudança de atitude da sociedade diante do portador
de necessidades especiais, de uma atitude de discriminação
para uma mais aberta, integradora, inclusiva.
Falar de Inclusão requer que se fale também em
interação e socialização. Abordar estes aspectos,
necessariamente, nos leva à Sexualidade, pois esta
abarca comportamentos sociais e interpessoais. Se
realmente quisermos fazer cumprir a Declaração de
Salamanca teremos de enfrentar a polêmica da
sexualidade do portador de deficiência mental. Não
podemos deixar este tema continuar sendo ignorado.
200 Silvia Nara Siqueira Pinheiro
Sexualidade é um atributo de todo ser humano, não é
algo que a pessoa tenha, é algo que se é, que o ser
humano constrói ao longo de sua vida envolvendo uma
série de manifestações. As manifestações da sexualidade
são aceitas para a população em geral, mas quando se
fala em portadores de deficiência mental estas
manifestações encontram resistências, tornando-se
incompatíveis, pois para muitas pessoas estes não
possuem sexualidade (Dickerson, 1982; Lipp, 1988;
Bernstein, 1992) e para outras esta é primitiva, selvagem
e incompleta (Amaral, 1994; Gherpelli, 1995).
Muitas pessoas vêem o indivíduo portador de deficiência
mental como alguém que não pensa e que está fora
do mundo da sexualidade (Dickerson, 1982; Lipp, 1988;
Bernstein, 1992), pois, para as famílias, ao menos na
esfera da fantasia, seu filho é como uma eterna criança,
sem padrões de crítica e valores que caracterizam o
adulto. Em decorrência, imaginam que as manifestações
da sexualidade na adolescência serão catástrofes
inconcebíveis e incontroláveis (Krinsky & Assumpção,
1983; Oliveira, 1988; Assumpção & Sprovieri, 1993).
Segundo crença popular, deficiência mental e
aberrações sexuais estão relacionadas. Fundamentandose
em manifestações sexuais como masturbação em
público, exibicionismo, condutas homossexuais e na dificuldade
dos deficientes em manejar seus impulsos
sexuais, podendo levar à promiscuidade sexual (Reche,
1992). A visão que os profissionais têm da sexualidade
do deficiente mental, em virtude dessas manifestações,
é que a sexualidade é selvagem e incompleta. Para eles,
essas práticas são irreprimíveis em função do impulso e
por não haver sublimação, sendo desprovidas de
afetividade. Os profissionais mostram-se tolerantes e
favoráveis à vivência da sexualidade, ao mesmo tempo
que acreditam na impossibilidade dessa experiência,
projetando essa inviabilidade nas normas institucionais
ou familiares (Amaral, 1994). A expressão da
sexualidade pelos portadores de deficiência mental gera
angústia na família e nos profissionais que trabalham
com esta parcela da população.
Tanto a visão dos pais de angelicalismo como a dos
profissionais de selvageria estabelece um sistema de
defesa coletivo porque é ameaçador. A repressão
instala-se e alicerça-se na necessidade de evitar a
procriação, podendo também estar oculta nesses
discursos a dificuldade que as pessoas têm em lidar com
sua própria sexualidade (Amaral, 1994). Os indivíduos
portadores de deficiência mental são, geralmente,
estigmatizados na área sexual. E isto não é surpresa,
pois o retardo mental é visto historicamente como um
defeito moral e de contaminação genética. Eles são
sexualmente estigmatizados, até porque evidências
sugerem que as pessoas percebem o sexo como possível
somente para os indivíduos jovens, atraentes e
saudáveis. A sociedade, por intermédio dos meios de
comunicação, reforçam essa idéia (Abramson, Parker
& Weisberg, 1988).
Na visão de Giami (1987), a sexualidade do deficiente
mental por ser vista como difícil, é alvo de constante
supervisão e de controle social. A reestruturação da
sexualidade normal é vista como impossível para o deficiente;
a exclusão e o controle são a norma. A
sexualidade do deficiente mental não se diferencia
qualitativamente dos normais. Suas necessidades,
experiências e emoções são iguais. A visão de que os
portadores de deficiência mental têm maiores ou
menores impulsos sexuais carece de fundamentação
biológica, pois não existe uma sexualidade característica
do indivíduo portador de deficiência mental. Sexualidade
independe de deficiência, seja ela física ou mental (Lipp,
1988; Oliveira, 1988; Assumpção & Sprovieri, 1993).
Para McClennen (1988), as pessoas com retardo
mental têm idênticas necessidades sexuais às dos nãoretardados.
O desenvolvimento sexual acompanha mais
o cronológico do que o cognitivo. Quando os
comprometidos intelectualmente apresentam
comportamento sexual distante do normal, geralmente
esse decorre da forma como eles têm sido tratados e
não por serem deficientes.
Glat (1992), em pesquisa realizada com 25 homens
na faixa etária de 13 e 36 anos e em 26 mulheres na
faixa de 15 a 54 anos deficientes mentais leves e
moderados, com o objetivo de investigar as informações
e representações a respeito da sexualidade, concluiu que
os adolescentes deficientes mentais apresentam os
mesmos problemas que os jovens com inteligência
normal; que a maioria desses, com exceção de portadores
de alguma síndrome, apresenta desenvolvimento normal
das características sexuais físicas e psicológicas e, por
último, que recebem poucas informações a respeito do
funcionamento do seu corpo.
Para Ribeiro e Nepomuceno (1992), o deficiente
mental, ao ser visto como assexuado, depara-se com
dificuldades de relacionamento; sua limitação cria
barreiras para entender o desejo sexual e as pessoas a
quem compete sua educação ou tratamento omitem as
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informações ou lidam de maneira agressiva e
discriminatória frente ao comportamento sexual
manifesto. Para esses autores, o adolescente que não
possui comprometimento intelectual, ou seja normal, sofre
por parte da sociedade restrições e limitações para
expressar sua sexualidade. O adolescente deficiente
mental, em função de suas características e do
preconceito social, é mais tolhido, ignorando-se aspectos
importantes do seu desenvolvimento como adolescente.
Este artigo tem como proposta avaliar as informações
que estão disponíveis a respeito da sexualidade das
pessoas portadoras de deficiência mental desde o ano
de 1971 até o momento atual. Visa, também, identificar
instrumentos de pesquisas validados e com fidedignidade
que avaliem este aspecto em seus portadores.
Pesquisas junto a família e profissionais
Na literatura brasileira, encontramos os trabalhos de
Assumpção e Sprovieri (1987, 1993) com profissionais
e pais para obter informações a respeito de educação
sexual destinada às pessoas portadoras de deficiência
mental. Os autores verificaram que os pais tendem a
não fornecer educação sexual para os filhos e, além
disso, é comum delegarem esta tarefa para outros. Foram
encontradas idéias distorcidas sobre a sexualidade tanto
junto aos pais como aos profissionais.
Pinheiro (1996) realizou pesquisa com o objetivo de
investigar nos pais e profissionais envolvidos com
portadores de deficiência mental moderada aspectos
relacionados à educação sexual, masturbação,
relacionamentos e abuso sexual. Constatou que os pais
encaram a sexualidade de seus filhos como mais um
problema, e um grande grupo sonega-lhes informações
por temerem que estas estimulem a sexualidade e sejam
interpretadas como autorização para que mantenham
relação sexual. Os profissionais discursam sobre a
sexualidade demonstrando uma visão mais abrangente,
reconhecendo-a como independente da deficiência,
limitando-a nas questões relativas a casamento e
procriação. Quanto à educação sexual, os profissionais
expõem que os adolescentes transparecem que possuem
necessidades e interesses de receberem orientação,
cobrando-as, já que não as recebem no âmbito familiar.
Na literatura estrangeira encontram-se as pesquisas
de Adams, Tallon e Alcorn (1982) que investigaram as
atitudes das pessoas em relação à sexualidade dos
indivíduos portadores de deficiência mental. Os
resultados indicaram que os membros da comunidade
não são mais liberais em relação às atitudes sexuais do
que os membros das instituições.
Pesquisas feitas com pais e profissionais, sobre os
tópicos autonomia, masturbação, relacionamentos
afetivos (namoro, casamento), comportamento
homossexual e educação sexual foram desenvolvidas
por Fischer e Krajicek (1974). Numa pesquisa, junto a
16 pais de adolescentes deficientes mentais moderados,
cientificaram-se de que os pais de meninos preocupamse
com o comportamento homossexual e a prática da
masturbação de seus filhos, enquanto os pais de meninas
preocupam-se com o namoro.
Wolf e Zarfas (1982), em sua pesquisa no tópico
referente à educação sexual, constataram que somente
l5% dos homens abaixo de l5 anos e 47% acima dessa
idade receberam educação sexual. Por outro lado, 39%
das mulheres abaixo dos l5 anos e 6l% acima de l5 anos
a receberam. Dos pais, 31% relataram que seus filhos
receberam pouquíssima educação sexual; 4l% disseram
que os filhos receberam a quantidade ideal, 3% acharam
que foi muito (todos pais de mulheres) e 25% acharam
que seus filhos eram muito novos ou muito retardados
para compreender.
Heshusius (1982) realizou entrevistas informais com
profissionais que trabalham com deficientes mentais,
observando que, nas instituições, homens e mulheres dos
l8 aos 40 anos eram colocados separados. Havia intenso
supervisionamento, não eram permitidos contatos físicos
(andar de mãos dadas, beijos, ‘ficar’ em local fechado),
não era permitida nenhuma privacidade quando havia
pessoas do sexo oposto e não forneciam educação
sexual. O estudo comprova que as percepções e
experiências de sexualidade e intimidade dos
comprometidos intelectualmente têm sido amplamente
ignoradas, não existindo evidências para que se diga que
os menos competentes são mais libidinosos ou que
expressam sua sexualidade de forma inapropriada.
Ocorre que os profissionais não têm esse conhecimento
e são bem mais conservadores com os deficientes.
Aqueles, raramente ou nunca, permitem que estes tomem
suas próprias decisões sexuais e, no que concerne à
educação sexual, tem sido ultimamente ignorada.
Brantlinger (1983) desenvolveu um trabalho com
sujeitos (pais, empregados em instituições residenciais,
enfermeiras e estudantes de Ensino Médio) que
mantinham contato com pessoas deficientes mentais. O
trabalho foi realizado por meio de encontros que
constavam de esclarecimentos sobre a sexualidade dos
portadores de deficiência. Os resultados indicam que o
treinamento dos membros das instituições sobre
sexualidade é eficaz na produção de mudança de atitudes
dos sujeitos frente à sexualidade dos portadores.
Alguns pais pensam que quanto menos os deficientes
souberem sobre sexo, menor será a chance deles agirem
irresponsavelmente nessa área. Os jovens excepcionais
precisam aprender a discutir sua sexualidade no contexto
de suas vidas de modo amadurecido.
Para Dickerson (1982), é raro que os adolescentes e
adultos comprometidos intelectualmente tenham a
oportunidade de iniciar, desenvolver e manter
relacionamentos baseados em seleção mútua, proteção,
comprometimento, atração sexual e amor. Aos indivíduos
portadores de deficiência mental tem se dado pouca
orientação, suporte ou oportunidade para aprender como
selecionar amigos, estabelecer relações, desfrutar de
declaração, expressão sexual, experiências realizações,
satisfações, parte intrínseca de uma vida normal.
Para Abramson e cols. (1988), muitos pais não querem
que seus filhos recebam educação sexual, pois acreditam
que essa irá estimular o despertar da sexualidade. O fato
também é observado com o pessoal que trabalha nas
instituições. Essa área vem sendo negligenciada, pois
somente 7% dos estudantes deficientes recebem alguma
forma de educação sexual na escola (Graff, 1983; Caster,
1988; Abramson & Parker, 1995).
Quanto à procriação e métodos contraceptivos,
encontram-se os estudos de Goodman, Budner e Lesh
(1971), Wolf e Zarfas (1982) e Chamberlain, e cols.
(1984), constatando que a gravidez é uma preocupação
entre os pais, que consideram seus filhos incapazes de
cuidar dos futuros filhos. Aparece um número bastante
expressivo de pais que é favorável à esterilização.
Segundo os autores revisados não há consenso quanto
ao melhor método a ser adotado, mas todos são
favoráveis ao uso de algum método.
Pesquisas com os portadores de deficiência
mental
Junto aos próprios portadores de deficiência, no Brasil,
encontramos a pesquisa de Glat (1992, 1996),
abrangendo deficientes mentais leves e moderados, com
o objetivo de investigar as informações e representações
a respeito da sexualidade. Constata a precariedade de
conhecimentos a respeito de funções corporais,
reprodução (40% dos homens e 35% das mulheres
parecem não saber como se engravida), nascimento,
métodos anticoncepcionais, doenças sexualmente
transmissíveis, menstruação (todas mulheres sabiam o
que era, mas apenas uma soube explicar por que perdia
sangue todo mês). Ninguém tinha conhecimento sobre
aids. A respeito da educação sexual verificou que 30%
obtinham informações sobre sexo com a família, 18%
com profissionais que trabalham com eles e os restantes
as obtinham na rua, com colegas ou pela mídia.
Independente de quem forneceu as informações, o que
lhes é ensinado está muito aquém de suas necessidades.
A mesma autora desenvolveu, em 1989, pesquisa com
mulheres portadoras de deficiência mental no que se
refere à percepção que estas tinham sobre a sua vida
cotidiana.
Na literatura estrangeira, encontrou-se os trabalhos
de Fischer e Krajicek (1974) com objetivo de investigar
seus conhecimentos sobre sexualidade constatando a
precariedade destes e a inabilidade no uso de alguns
termos (vagina/pênis, masturbação). Heshusius (1982)
pesquisou, na literatura, depoimentos de deficientes
alfabetizados referentes às suas percepções e
experiências de intimidade e sexualidade constatando
desejo de contato sexual, medo e ansiedade deste
contato e ignorância de fatos básicos nas relações
sexuais. Brantlinger (1985) estudou em portadores de
deficiência mental leve a extensão dos conhecimentos
sobre tópicos sexuais e as atitudes em relação a vários
aspectos da sexualidade, concluindo que o nível de
conhecimento variou consideravelmente entre os
estudantes mais informados e menos informados. Não
existe estudante classificado como bem informado; todos
os estudantes comunicaram que necessitam de mais
informações sobre sexualidade e a maioria estava
sedenta para ter educação sexual na escola.
Gunn (1983) investigou a vida sexual dos portadores
de deficiência mental encontrando gravidez,
masturbação, confusão quanto à identidade homo e heterossexual
e falta de informação quanto ao
desenvolvimento da sexualidade. O autor concluiu que
a família deveria receber orientação a respeito de
sexualidade para poder entender, lidar e orientar seus
filhos portadores de deficiência.
Fisher e Krajicek (1974) realizaram uma pesquisa
com 16 (dezesseis) adolescentes deficientes mentais
moderados, com o objetivo de investigar seus
conhecimentos sobre sexualidade, constatando que
(sobre identidade sexual) todos meninos e meninas foram
capazes de se identificar em relação aos termos menino
Sexualidade e deficiência mental: Revisando pesquisas 203
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menina ou homem-mulher. Contudo, o uso correto dos
termos macho-fêmea trouxe mais dificuldades de
identificação, principalmente quando aplicado em relação
ao pai; sobre as partes do corpo quando a pergunta focalizava
a discriminação das partes do corpo (vagina/
pênis), meninos e meninas mostraram grande inabilidade
para verbalizar, apropriadamente esses termos; sobre
as funções do corpo no que tange à menstruação, 88%
reconheceram o que é um absorvente, mas 50%
conseguiram verbalizar por que era usado e 75% não
sabiam em que sexo se usava. O termo masturbação
foi totalmente excluído do vocabulário dos participantes;
sobre as emoções não fizeram diferença ao identificar
figuras representativas de abraços, beijos e não
souberam explicar o porquê desses comportamentos nas
pessoas e sobre gravidez/nascimento: conseguiram, com
resultados exatos, selecionar uma mulher grávida entre
duas figuras. Respostas para o tempo de duração da
gravidez variavam de duas horas, uma semana, dez dias,
seis semanas, oito meses, quatro meses e nove meses.
Junto aos portadores de deficiência e a família, o
tema abuso sexual tem sido alvo de pesquisas.
Chamberlain, e cols. (1984), Elvik, e cols. (1990),
Tharinger, Horton e Millea (1990), Conway (1994),
Furey, Granfield e Karan (1994), Furey e Niesen (1994),
Furey, Niesen e Strauch (1994), Sundram e Stavis
(1994) e Abramson e Parker (1995) constataram que
o abuso sexual ocorre de diversas formas e em diferentes
locais. Pode ser praticado por familiares,
empregados das instituições como também pelos
próprios deficientes. Em todos os trabalhos brasileiros
e estrangeiros que investigaram diferentes áreas da
sexualidade citadas até o presente momento neste artigo
não foram encontrados instrumentos que tivessem
passado por um rigoroso processo de padronização e
que tivesse sido avaliado em suas características
psicométricas.
Ampliando a revisão bibliográfica encontrou-se na
literatura estrangeira o trabalho de McCabe (1993, 1994a
e 1994b) com a construção da Escala sobre
Conhecimento Sexual, Experiência e Necessidades
(SexKen) designada para avaliar o conhecimento,
experiência, sentimentos/atitudes e necessidades da
população na área sexual. Existem quatro versões da
escala: para pessoas da população em geral (SexKen),
para pessoas com deficiência mental (SexKen-ID), para
pessoas com deficiências físicas (SexKen-PD), e para
pessoas que trabalham com deficientes (SexKen-C).
Estudos foram realizados para avaliar a fidedignidade e
validade das referidas escalas e os dados obtidos
demonstraram que elas possuem boas propriedades
psicométricas e que atingem seu objetivo (Szollos,
McCabe,1995; McCabe & Cummmins, 1996; McCabe,
Cummmins & Deeks, 1999).
McCabe e Schreck (1992) realizaram uma extensa
revisão bibliográfica procurando instrumentos que abordassem
a área da sexualidade do portador de deficiência
mental no que se refere ao conhecimento, experiência
sexual, sentimentos/atitudes e necessidades.
Encontraram oito estudos, sendo que quatro para
portadores de deficiência mental leve. Os outros
abordavam uma defasagem intelectual maior. Desses
trabalhos, a autora ressalta o teste de conhecimento e
atitudes sociais e sexuais (SKAT) e que tece alguns
comentários como o de ser um teste complicado em sua
aplicação, não sendo exaustivo na sua investigação,
contendo muitos itens carregados de juízo de valor que
impedem a avaliação das atitudes e necessidades dos
participantes e finalizando não possui um exame detalhado
das atividades sexuais nas quais os sujeitos possam
engajar-se. A autora neste artigo expõe que, antes de
realizarmos programas de educação sexual, devemos
investigar os reais conhecimentos, experiências,
sentimentos/atitudes e necessidades dos portadores de
deficiência mental para, depois, com base nestes dados,
possamos realizar um programa que atenda às
necessidades desta clientela.
Para atingir este objetivo, McCabe (1998,1999) isolou
algumas áreas da sexualidade que, segundo ela, são
necessárias dentro de um programa de educação sexual
e por meio destas criou a escala. As áreas contempladas
são: amizade; namoro e relação sexual; casamento;
identificação das partes do corpo; sexo e educação
sexual; menstruação; interação sexual; contracepção;
gravidez, aborto e nascimento; doenças sexualmente
transmissíveis; masturbação; homossexualismo e abuso
sexual. Em cada uma dessas áreas são investigados
conhecimento, experiência, sentimentos/atitudes e
necessidades.
CONCLUSÕES
A revisão das pesquisas publicadas sobre os temas
sexualidade e portador de deficiência mental levou-nos
204 Silvia Nara Siqueira Pinheiro
a constatar que existem poucos trabalhos envolvendo
os temas. A não-existência de instrumentos brasileiros
e nem de instrumentos estrangeiros adaptados para a
nossa realidade com o objetivo de avaliar a sexualidade
no portador de deficiência mental; a presença na
literatura estrangeira da Escala para pessoas portadoras
de deficiência mental: Sexualidade, Conhecimento,
Experiência e Necessidades (SEX KEN-ID).
Grande parte dos trabalhos científicos está mais
direcionada para investigar o pensamento de pais e
profissionais e seu modo de proceder do que enfocar o
portador em si, o que ele conhece, quais são suas
experiências, necessidades e sentimentos diante da
sexualidade. Os estudos sugerem que tanto pais como
profissionais sentem-se despreparados, apresentando
atitudes confusas e ambivalentes quanto à sexualidade
dos filhos e alunos portadores de deficiência mental.
Em decorrência, geralmente, não lhes fornecem educação
sexual e quando o fazem fica aquém do
necessário. As orientações sexuais, quando fornecidas,
são para eliminar comportamentos julgados
inadequados, não têm como objetivo o resgate da identidade
sexual com privilégios e responsabilidades que
implicam a sua vivência, nem tão pouco a possibilidade
de oportunizar espaço para interagir, retirar dúvidas
e expor seus pensamentos.
Como expõe Gherpelli (1995), os portadores de deficiência
mental possuem limitações que os caracterizam
e, se não os orientarmos a respeito das questões relativas
à sexualidade, por si só não conseguirão entendê-las.
Suas limitações referem-se ao baixo nível de leitura
(quando são alfabetizados). A dificuldade na
compreensão de terminologias e no conhecimento biológico;
a pouca ou nenhuma mobilidade na comunidade,
os amigos com quem poderiam trocar informações
geralmente, também, são limitados intelectualmente; a
menor capacidade de compreender e identificar as
mensagens de sexo na vivência cotidiana e, por vezes,
os modelos tomados (TV, filmes) são irreais e
inadequados para o dia-a-dia.
Assim, os portadores de deficiência mental são
pessoas com necessidades sexuais idênticas às de
inteligência normal. Possuem, entretanto,
conhecimentos precários a respeito de sua sexualidade,
experiências limitadas e, na maioria das vezes,
controladas por pais e profissionais. Diante desta
realidade se faz importante o desenvolvimento de trabalhos
de pesquisa investigando de forma sistematizada
os conhecimentos, as necessidades, as experiências,
os sentimentos e atitudes desta parcela da população
em relação a sua sexualidade. Dessa forma, para que
o portador de deficiência mental aprenda a manejar
sua sexualidade como um adulto que demanda e tece
considerações sobre esse assunto com privacidade e
responsabilidade, faz-se necessária à criação de programas
de educação sexual.
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Recebido em: 12/03/04
Revisado em: 17/06/04
Aprovado em: 13/08/04
Endereço para correspondência:
Silvia Siqueira Pinheiro
Rua Coronel Alberto Rosa, 154
CEP: 96010-770 – Pelotas, RS
e-mail: silviaspinheiro@terra.com.br
